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domingo, 20 de março de 2011

MINEIRO: FALA DE MINAS
Paulo Mendes Campos


Nem perto nem longe. Pode o senhor caminhar um estirão dentro de Minas sem achar Minas. Mas também pode ir por aí à toa e quebrando uma esquina ser de repente: Minas Gerais!

Minas é arisca. Olhe: primeiro de tudo tem de tirar. Minas da idéia. Minas salta na frente quando for de gosto.

Dourado, barriga de dourado. Com feijão tombado é principal. Minas pode estar na barriga dum dourado. Peixe soberbo, nadando quieto na bandeja, com os ouropéis da cor, a esperteza do molho.

Qual o quê! Mineiro é ir sempre embora no rastro dágua. Mania dágua! Gaba lagoinha de nada, que o calor vira brejo.

Uma coisa: supremo minasgerais é o céu. O céu com a santaria toda e os anjinhos, lá do lado de dentro. E do lado de fora é o azul derramado, sem dó nem piedade. Um azulão de igreja respeitável, lápis de cor quando menino da gente faz desenho. Assim posto, tem de espiar antes aquele firmamento, um espiar grande, dado. Depois o senhor vai andando, e aí, quem sabe, pode ser que vai mesmo apeando nas gerais da verdade. Se quiser entra na venda, como se residisse por ali, e adquire um bolinho de feijão. Espairece em Minas.

Sou pobre. Quem sou eu para ver tudo que vai acontecendo! Minas é não explicar, deveras. O melhor do vivente, o mais sabido, é arregalar um olho e puxar a cortininha do outro. Mascar vagarento um pastel. Carro voa depressa, mas estrada, mesmo rodovia alcatroada, vai muito devagar. Caminho é coisa antiga, como a criatura, conformemente.

Minas tem estampas, é estampada. Pode dar-se que um, um outro, aprecia o belezório da natureza, os domus aurea da religião, bordados de jacarandá, o velho bonitíssimo. Mas quem disse que Minas não pode ser uma ladeirinha? Um vento na boca da noite. Pedro é importante, até.

Sabará. Congonhas. Sabará.

Sabará empacou ali porque esqueceram. Largada na correnteza dos dias. Doida, doida de pedra. Parada no encanto, nas miudezas gentis.

Congonhas não. Essa tem a força. Manda em você; e o senhor não entende tudo muito explicado não. Depois de subir o morrinho, no adro, é paz. Paz existe neste mundo, ligeira. Mas antes tem de passar pelo sinedrim daqueles homens grandes profetas fortões. Até o calado azul do céu congonhês é mais duro, mais ciumento, obriga um remorso, sei lá, é uma injustiça encravada.

Houve já justiças? Congonhas responde: Não! Penosamente, é penoso. O senhor acaba confessando um troço no silêncio: só que não sabe o quê. Um erro seu que nem sabe qual deles. À Aleijadim (jadão!) tinha um jeito de adivinhar onde dói a gente.

Onde dói a gente? Na justiça. Acho!

Ouro Preto é pra quem sabe das coisas. Vou só afiançar uma: quando um cidadão de bem encontra Ouro Preto, ele enxerga então aquilo que sabia; que sabia mas não enxergava. Ou se enxergava não contemplava.

O universo, esse é sério. Mesmo se o senhor está ali pertinho, no largo, tomando um trem de nada, uma gasosa fresca, sério é o universo. Feito o fim da gente. Feito música escriturada.

Agora dá-se o seguinte: Ouro Preto nunca pode piorar o sentido de quem vai lá. Penso até no contrário. Forra a idéia. Veste os medos pelados da gente. Liberdade! Se é liberdade, por que viver é uma briga de foice?

O senhor ganha (ou não ganha?) quando perde a ganância de respirar só pra sei. Quando pára de ir no que-se-dane. É? Né não?

Vida é aqui dentro igualmente. Ouro Preto, essa ouropretinha engraçada, retumbando no grotão do século, obriga o homem a ficar mais de pé. Se é que não minto. Liberdade. Penso até demais no Alferes.

Mas tem outro feito de Ouro Preto assombrado. Senhor olha janela por onde já olharam os falecidos: onde é, em qual lugar, os olhos acesos acham os olhos apagados? Onde os de cá olham os de lá? O lá ninguém viu. Mas o tempo?! Existe?! Ou é mera ignorância? Onde fica o tempo? Taí, não sei.

Ouro Preto atrapalha. Nunca sei resolver. E penso até demais no Alferes.

Tem um porém. Se engraçar com a Vila Rica, tem de dar um pulo na Mariana. O ribeirão tardonho. Estrelas. Seminário. Mariana. É seleta. Calada. Dá capinzim na pedra, grilo. Sombra devota. Tem o arcebispado a cavaleiro. Andorinha é poemeto. Seleto soneto caladão.  Topei com um casal de arcanjos do Paraíso de Cristo soprando as duas trombetas do Juízo: topei num dia de tarde mas de muito, muito sossego.

Simples simplesmente: Mariana pode ser do amigo. É de quem chega e agarra devagarinho. Umas vergonhas não pejo de confessar: nunca pisei na Diamantina. Guardo ela para um capricho madurão, um desejo de repente. Tenho umas idéias bem lindas de lá.

Bebe-se. Dizem, não sei. Será que vou querer ficar endiabrado no Diamantina? Sou velho de caçoada fácil, mesmo quando não tem lua nem viola. Repare não: Minas não é boa de coção.

Ah minasgerais minasgerais!
Belzonte muda mais que donzela de busto tem-não-tem. Cheia de brincos, meios pensamentos. Antes só era mais estrelejada. Gozava das roseiras antigas. Valsista.

Variada de passadio, agora. Tem paca. Tem tatu. Tem surubi. Angu bem feito. Tem jacaré. Torresmim. Tutu. Paca já falei.

Põe reparo o senhor: Minas é de muitos luxos, só quer o de valor, beldade de lombo, pão de queijo quentinho (aos montes), linguiça boa (de encomendazinha)... Excelências... Pinga de colar e aljofre, sincera, sincera... E requeijão, uai!

Minas é sombra-sol. Igual-desigual. Esquisitona. Pois não é que o São Francisco chega até a incomodar as poesias nacionais da brasileirada!

Ferro é despropósito. Dizem. Ouro não sei, sumiu. Vaca. Porco. Lá nas bandas do nariz é marzão de arroz. Boi. Vaca. Montes Claros vale uma prosa. Ubá: gente especial. Município rui mesmo-mesmo em Minas não tem não. Ou tem? Um distritim aqui, ali. São João del-Rei toca sino dentro de mim até agora ( se eu fechar o olho): belo bronze, velho, belo. Jabuticaba feito de Sabará só na Cachoeira do Campo. Hospitaleiro, Oeste. Paracatu é cana, confim. Onça, quá! Passarada! Mais fininho que o ar da Mantiqueira nunca vi. Também quase que não ponho o pé fora de casa.

Dinheiro mineirada sabe o que vale, Sovina. Sovina? É, quem sabe. Minas é grande. Estica o narigão até lá nos infernos, nos brejões. Senhor quer saber duma coisa? Ninguém sabe o valor do que acha: quando caça de coração.

Minas não é entender: aconteceu.


(In: Quatro histórias de ladrão e outras crônicas - p.68-71)

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