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sábado, 2 de abril de 2011

(GRA + MATE) MÁTICA
Paulo Bearzoti Filho


Em nossas aulas de Matemática no ensino fundamental, aprendemos a "fatorar" um enunciado. Por exemplo, a sentença matemática

xay + xby

pode ser simplificada colocando-se x e y "em evidência":

x (a + b) y

Nessa notação, os parênteses desempenham um papel essencial. São eles que nos relevam que x e y se distribuem entre a e b. Se a notação fosse

x (a + by)

somente x estaria em evidência, e y modificaria apenas b.
Essa operação é muito semelhante a um mecanismo comum às línguas do mundo, a elipse.
Seja, por exemplo, um enunciado como

A lavadeira trabalha e a lavadeira canta.

Em situações "normais" de conversação, a frase não teria essa forma. Todos diríamos:

A lavadeira trabalha e canta.

Você notou? É como se tivéssemos posto a lavadeira "em evidência". A elipse é, de certo modo, o correspondente linguístico da fatoração matemática. A estrutura da frase admite, inclusive, os parênteses:

A lavadeira (trabalha e canta).

Embora protótipos de áreas diferentes do conhecimento - as humanas e as exatas -, a língua portuguesa e a matemática têm uma produtiva zona de interseção, como neste caso da elipse-fatoração.
Há, inclusive, textos que soam "estranhos" porque neles parece haver diferentes maneiras de compreender qual o termo "colocado em evidência".
No exame vestibular da Unicamp, em 1993, havia uma questão baseada no seguinte fragmento de texto:

As videolocadoras de São Carlos estão escondendo suas fitas de sexo explícito. A decisão atende a uma portaria de dezembro de 1991, do Juizado de Menores, que proibe que as casas de vídeo aluguem, exponham e vendam fitas pornográficas a menores de 18 anos. A portaria proibe ainda os menores de 18 anos de irem a motéis e rodeios sem a companhia ou autorização dos pais.
Folha Sudeste, 6/6/92
Ao pé da letra, a frase final produz um efeito de humor não pretendido por seu autor. Ao lê-la, temos a impressão de que seria permitido a menores de 18 anos frequentarem motéis, desde que acompanhados dos pais.
O que gerou o problema? A colocação dos "parênteses", podemos dizer. Quando lemos a frase, temos a impressão de que o termo sem a companhia ou autorização dos pais refere-se a motéis e a rodeios, enquanto, na verdade, diz respeito apenas a este último: a motéis, os menores não podem ir nunca; aos rodeios, podem, desde com a companhia ou a autorização dos pais.
Poderíamos representar essas duas interpretações valendo-nos de parênteses. A intenção do autor do texto era dizer:

... irem (a motéis e rodeios sem a companhia ou autorização dos pais).

Ou seja: apenas a forma verbal irem está em evidência. Mas parece que a frase diz:

... irem (a motéis e rodeios) sem a companhia ou autorização dos pais.

O enunciador quis expressar x(a+by), mas, sem querer, escreveu x(a+b)y.
Matemática e língua portuguesa são linguagens - e há muito em comum entre elas.


(Discutindo Língua Portuguesa - Ano I - nº 2)

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